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Notícia

Herculano Pires - Visão atual sobre imprensa espírita e dogmáticos modernos




Herculano Pires – Uma visão realista da imprensa espírita

Herculano Pires, desde sua conversão, preocupou-se com os rumos da imprensa espírita. Em uma entrevista estampada em 1975 no "Anuário Allan Kardec", da editora Lake, o mestre fez uma análise do jornalismo doutrinário profunda e perspicaz. Pincemos alguns trechos básicos.

"Encaro a imprensa espírita como uma necessidade natural da divulgação doutrinária, da interligação dos grupos, centros e demais instituições, da movimentação de opiniões e discussão de temas para a boa orientação do movimento doutrinário. É a isso que ela se propõe, desde o lançamento da Revista Espírita, de Allan Kardec, primeiro órgão da imprensa espírita no mundo, e em nosso país desde o aparecimento de "O Eco de Além- Túmulo", o admirável jornal de Luiz Olímpio Teles de Menezes, que circulou em Salvador, na Bahia, a partir de julho de 1869.

A imprensa espírita se dirige, portanto, a dois públicos: o espírita e o não espírita. No tocante a este último, sua função é não somente de divulgação e esclarecimento da doutrina, mas também de participação dos problemas que se relacionam com os ideais espíritas. A Revista Espírita, por exemplo, noticiava e comentava acontecimentos extradoutrinários que de alguma forma interessavam à doutrina. "O Eco de Além-Túmulo" fazia o mesmo, interessando-se por questões que se relacionavam com os princípios doutrinários, como no caso da abolição da escravatura. O "Eco" chegou a destinar uma parcela de suas rendas a uma caixa destinada a libertar escravos. Participou ativa e corajosamente da campanha abolicionista.

Sendo o Espiritismo uma doutrina de vivência social, destinada a influir na transformação do mundo, não se pode conceber uma imprensa espírita alheia ao mundo, engolfada em si mesma. Jornais e revistas espíritas não podem ser apenas boletins doutrinários afastados da realidade social, mas também não devem ultrapassar os limites dos interesses doutrinários e imiscuir-se em debates políticos ou disputas de grupos. Sua função principal é esclarecer e orientar os rumos da doutrina.

Não há dúvida que temos uma imprensa espírita atuante, com numerosos órgãos, alguns de longa tradição. Apesar disso falta-lhe maturidade. Muitos desses órgãos são puramente locais, restritos a um bairro ou a uma cidade, e outros se colocam a serviço executivo da instituição mantenedora, como se fossem boletins particulares. Outros se desgastam chovendo no molhado, só publicando mensagens mediúnicas e pequenos artigos sobre questões pacíficas. Temem a discussão, o debate, a agitação de ideias. Com o movimento de unificação estabeleceu-se um clima de autocensura, que vai reduzindo nossa imprensa espírita a uma apatia medrosa, como se estivesse submetida a uma orientação eclesiástica. As mensagens de Emmanuel contra a crítica maledicente foram interpretadas como condenação da crítica em geral. A palavra crítica virou sinônimo de pecado. São poucos os órgãos abertos, arejados, como o jornal "Mundo Espírita", do Paraná, que se pode ler sem a sensação desagradável de asfixia, de sujeição servil a grupos autoritários. (Ao tempo em que Herculano deu esta entrevista quem dirigia "Mundo Espírita" era Lauro Scheleder.)

Por outro lado, há casos curiosos de órgãos sem nenhum critério doutrinário, divulgadores de matérias que contrariam princípios fundamentais do Espiritismo, revelando ignorância ou displicência de seus diretores e redatores. Os congressos de jornalistas espíritas têm por finalidade modificar esse panorama tristonho, dar maior consciência jornalística aos que militam em nossa imprensa espírita, mas seus resultados têm sido limitados pela falta de apresentação de teses que coloquem esses problemas em debate.

Não é fácil conseguir-se correções imediatas dessa situação. Ela resulta, em primeiro lugar, da falta generalizada de cultura em que vivemos e especialmente da falta de cultura espírita. Somente nos últimos trinta anos o nosso país começou a sair de um longo sono de ignorância generalizada, em que vegetava a maioria da população. À tona dessa indolência mental flutuava, como estranha floração, uma elite cultural bacharelesca, dominada por influências europeias e norte-americanas. Essa elite recebeu o Espiritismo como uma novidade que chegava da França, mas logo o desprezou, em face das campanhas desencadeadas por padres e médicos, que confundiam o Espiritismo com macumba e feitiçaria. O povo então o acolheu, pois a intuição popular reagiu contra o pedantismo das elites. Mas o nível baixo da cultura popular não permitiu o desenvolvimento da doutrina entre nós.

Os resíduos desse populismo espírita continuam dominando a nossa gente. E na proporção em que o número de adeptos crescia, surgiam os chamados líderes espíritas, que podemos classificar, a grosso modo, em dois tipos dominantes: os místicos ignorantes, gente de boa fé, mas incapazes de compreender a doutrina, e os pastores, de nível cultural mediano, que apascentavam os rebanhos com suas cantilenas românticas. Desses dois tipos nasceram os criadores da imprensa espírita, cujos rebentos são hoje os amadores e as vedetes. Os primeiros, os amadores, são criaturas boas e bem intencionadas, que sustentam jornais e revistas com dedicação, mas sem espírito jornalístico. Os segundos, as vedetes, são criaturas ativas e inquietas que pretendem brilhar nas folhas espíritas, tratando a doutrina com superficialidade e exibindo uma cultura de empréstimo. De um lado e de outro desfiguram o Espiritismo acreditando que o servem.

Os mais perigosos são as vedetes, que não perdem a menor oportunidade de exibir-se nas folhas modestas ou nas pretensas tribunas dos centros, com arroubos oratórios que arrancam chuvas de palmas da assistência.

Isso, naturalmente, num sentido geral, porque felizmente há criaturas sinceras que leem e estudam, escrevendo com bom senso e procurando ensinar ao povo a verdadeira doutrina. São os jornalistas e oradores que nos salvam o sal (embora apenas uma pitada) que dá sabor à imprensa espírita. Não fossem esses elementos responsáveis e não teríamos imprensa. São eles os descendentes espirituais de Luiz Olímpio, de Bezerra, de Batuíra, de Cairbar Schutel, de Petitinga e outros nomes apostolares do passado."

Mais lutas doutrinárias

Recordam-se os leitores que no quinto capítulo anotamos que a primeira intervenção em defesa do Espiritismo Herculano Pires a fez quando tinha vinte e poucos anos de idade e que ele o colocava acima das lideranças e das instituições doutrinárias. Essa posição de independência e de fidelidade ao texto da Codificação manteria até o final de sua existência. Impossível, portanto, escrever a história do movimento espírita brasileiro ou a vida do apóstolo de Kardec sem registrar com detalhes suas intervenções nos mais graves episódios em que a verdade doutrinária esteve ameaçada.

Há uma revelação luisina?

Começaremos transcrevendo uma crônica sua assinada com o pseudônimo "Irmão Saulo" intitulada "Há uma revelação luisina?", a qual refuta um artigo de Salvador Gentile (diretor de "Anuário Espírita", editado em Araras, Estado de São Paulo), a propósito da obra Nosso Lar, psicografada por Chico Xavier. A crônica de Herculano Pires estampada no "Diário de São Paulo" reveste-se de importância, porque ao surgirem as primeiras obras do espírito André Luiz alguns líderes, demonstrando imaturidade doutrinária, proclamaram nas tribunas e pelos jornais que elas eram a "quarta revelação"...

Leiamos as considerações de Herculano Pires:

"O aparecimento em Tóquio de uma edição japonesa do livro Nosso Lar, de André Luiz, leva o confrade Salvador Gentile a reviver, no "Anuário Espírita 1969", a tese da "revelação luisina". Essa tese conquistou certa voga no meio espírita (alguns dizem "andréluisina"), mas arrefeceu logo, porque Emmanuel e André Luiz foram os primeiros a botar água na fervura. Gentile a ressuscita em termos de revisionismo doutrinário, de "superação" de Kardec, não se esquecendo de criticar "os ortodoxos que fazem de Kardec um dogma intangível". Respeitar a Codificação é ser dogmático, segundo as acusações dos divinistas e outros "renovadores".



Herculano Pires dá um autógrafo a Salvador Gentile, o qual desejava novas revelações...

Gentile parte da suposição de que a obra de Kardec ficou em generalidades. Deseja informações particulares, mais concretas, que André Luiz fornece sobre a vida dos espíritos. Mas se tivessem recorrido ao prefácio de Emmanuel no livro Os Mensageiros veria que essa concretização é simbólica e, portanto, abstrata. A obra de André Luiz é ilustrativa da revelação espírita, e não propriamente complementar, no sentido de superação que o articulista pretende. É uma grande e bela contribuição nos estudos espíritas, mas sua pedra de toque é a Codificação.

O que mais impressionou a Gentile foi a "revelação" de cidades espirituais no espaço. Mas a Bíblia já nos falava da Jerusalém celeste e as revelações antigas estão cheias de ideias semelhantes. Tratam-se de planos ainda materializados da vida espiritual e não dos planos superiores. A Revista Espírita apresenta numerosos relatos dessa vida que se assemelha à terrena. Mas Gentile vai mais longe e afirma que certos conceitos de Kardec são reformulados em Nosso Lar, por exemplo: o conceito de espíritos errantes, o de acampamento, o de perispírito sem órgãos de tipo material.

A crítica de Gentile a esses conceitos não tem razão. Kardec explica no item 226 de O Livro dos Espíritos que são errantes todos os espíritos que ainda terão de reencarnar-se, mesmo os mais evoluídos. A erraticidade não implica apenas a permanência em planos inferiores, mas uma condição do espírito em seu processo evolutivo. Trata-se de um conceito relativo, ou seja, que diz respeito à relação do espírito com a sua passagem pelas fases inferiores da encarnação terrena. O conceito ou a noção de acampamento não tem em Kardec a aplicação que Gentile lhe deu. Refere-se aos mundos transitórios e não aos planos espirituais. O de perispírito sem órgãos físicos, que não necessita de restauração de suas forças, é também relativo e está bem explicado no item 254, onde se lê isto, em letras de forma: "A espécie de fadiga que os espíritos podem provar está na razão da sua inferioridade, pois quanto mais se elevam de menos repouso necessitam".

Partindo de premissas falsas, o articulista só poderia chegar a conclusões falsas. Não há nenhuma razão para se falar em "revelação luisina", mesmo porque a própria tese de Kardec é a da revelação contínua a partir da aceitação e do conhecimento da mediunidade. Antes de pensar em "novas revelações", o de que precisamos com urgência é de estudo sistemático e mais aprofundado da obra de Kardec, incluindo não só os tomos da Codificação, mas também a Revista Espírita, por ele mesmo indicada como indispensável ao bom conhecimento da doutrina."

Espiritismo e cultura brasileira

Fernando de Azevedo, professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras, notável sociólogo, publicara em 1943 o volumoso e erudito livro A Cultura Brasileira, em cujas páginas escrevera por estar mal informado que "a expansão do Espiritismo em que se embriaga o misticismo devoto, iniciada no seio das classes mais baixas e incultas, tem as suas origens na ingenuidade e ignorância do público e na atração que por toda parte exercem as iniciações misteriosas, os fenômenos tidos como sobrenaturais e as comunicações, por meio da mediunidade, entre o mundo visível e o invisível, entre vivos e mortos".

Herculano Pires, após a leitura do texto acima, redigiu o artigo "Sobre o Cristianismo nascente", que fez publicar em sua coluna espírita no "Diário de São Paulo" (edição de 12 de junho de 1960).

"A cultura brasileira – escreveu ele – é um livro sincero e honesto, que procura oferecer ao público um panorama verdadeiro do nosso movimento cultural. No tocante ao Espiritismo, entretanto, apresenta graves falhas e comprometedoras lacunas. As falhas são de interpretação, as lacunas, de informação. Umas e outras compreensíveis, num erudito de formação católica. Não queremos corrigir o professor ilustre, mas cumpre-nos o dever de oferecer aos leitores espíritas alguns dados que restabeleçam o quadro da paisagem espírita em seus legítimos contornos, nesse painel da vida cultural brasileira."

E as falhas e as lacunas foram apontadas e o quadro da paisagem espírita restabelecido. Fernando de Azevedo, escritor íntegro, leu o artigo e na quarta edição de A Cultura Brasileira (Edições Melhoramentos, 1964, p. 267) transcreveu as informações históricas fornecidas pelo apóstolo de Kardec.

O caso Pietro Ubaldi

Escritor e sensitivo nascido em Gúbio (Itália) em 1886 e desencarnado no Brasil aos oitenta e cinco anos de idade, Pietro Ubaldi celebrizou-se com a obra A Grande Síntese, cujas páginas recebera intuitivamente da alta Espiritualidade e cuja entidade ele fazia conhecer com o pseudônimo de "Sua Voz". Elogiada por cientistas, entre os quais Albert Einstein e Enrico Fermi (inventor da pilha atômica) e intelectuais do porte de Ernesto Bozzano, que a considerava "a mais extraordinária, concreta e grandiosa mensagem mediúnica", foi a Grande Síntese primeiramente traduzida para o nosso vernáculo por Guillon Ribeiro e publicada em 1939 pela Federação Espírita Brasileira. Mário Corbiolli também traduziu-a e dez anos depois a editora Lake, de Batista Lino, lançou-a (outros livros de Ubaldi foram publicados pela Lake, mas apenas A Grande Síntese era mediúnica) conquistando a intelectualidade espírita de norte a sul e recebendo elogios, inclusive do espírito Emmanuel através da psicografia de Chico Xavier, que a chamou de "O Evangelho da Ciência". Mas terminada a fase de namoro com esses livros as lideranças espíritas notaram que alguns conceitos ubaldinos conflitavam com o Espiritismo e os livros de Pietro Ubaldi passaram a ser vistos com reserva... Herculano Pires, com seu infalível bom senso, porém, escreveu estas palavras a respeito de Pietro Ubaldi:

"Simplesmente humano, ele é um espírito da maior amplitude, aberto às altas indagações da mais pura filosofia espiritualista. (...) O fato de Ubaldi não se dizer espírita, não se filiar à doutrina, não tem a menor importância, pois o que define a sua posição é a natureza da sua obra e não a sua opinião pessoal. Tanto mais que ele afirma estar fora da sua consciência normal sempre que trabalha os seus livros."

Herculano Pires, admirador de A Grande Síntese (ele possuía a terceira edição impressa na Itália) foi, no entanto, o primeiro a apontar, publicamente, "falhas de percepção e alguns desajustamentos" na obra máxima do sensitivo italiano. E mais tarde assumiria atitude enérgica em relação às pretensões e críticas de Pietro Ubaldi à obra da Codificação. O fato deu-se por ocasião do Sexto Congresso Espírita Pan-americano, realizado em outubro de 1963, em Buenos Aires. Ubaldi enviara ao congresso uma tese (vide o Libro del Sexto Congreso, p. 296-304, editado pela Confederação Espírita Panamericana em 1964), cujo teor absurdo os ubaldistas de São Paulo divulgaram antes pela imprensa profana e cujas conclusões insólitas são estas:

1) o Espiritismo estacionou na teoria da reencarnação e na prática mediúnica;

2) não possuindo "um sistema conceptual completo", não pode ele ser levado a sério pela cultura atual;

3) a filosofia espírita é limitada, não oferece uma visão completa do todo e "não abrange todos os momentos da lei de Deus";

4) o Espiritismo não construiu uma "teologia espírito-científica, que explique o que a católica não explica";

5) o Espiritismo corre o perigo de ficar parado no nível Allan Kardec, como o catolicismo ficou no nível São Tomás e o protestantismo no nível Bíblia.

E para "salvar" o Espiritismo, Pietro Ubaldi propunha que seus livros fossem adotados pelo movimento doutrinário...



No dia 11-08-1951, na redação do "Jornal de Notícias", conheceram-se Herculano Pires (à esquerda) e
Pietro Ubaldi (ao centro). Em pé: Batista Lino, Clóvis Tavares e Wandick de Freitas.

Herculano Pires, com a rapidez que o assunto exigia, redigiu um artigo que fez publicar no "Diário de São Paulo" e na "Revista Internacional de Espiritismo", do qual destacamos o seguinte trecho (ele ignorava, até então, que o congresso de Buenos Aires rejeitava a proposta de Ubaldi):

"A sua crítica ao Espiritismo, resumida nos cinco pontos acima, coincide com a dos adeptos menos instruídos da doutrina e pode ser respondida, ponto por ponto, por qualquer adepto de inteligência e cultura medianas, que conheça a Doutrina Espírita. Por outro lado, o oferecimento de suas obras ao Espiritismo revela desconhecimento da natureza da nossa doutrina e das exigências metodológicas para a aceitação da proposta, que não cobre essas exigências.

Ubaldi desenvolveu suas faculdades mediúnicas à margem do Espiritismo. Seu primeiro livro, A Grande Síntese, apresenta curioso paralelismo com o Espiritismo, o que lhe valeu a simpatia e a amizade dos espíritas brasileiros. Na Itália ou no Brasil, porém, Ubaldi recusou-se sempre a integrar-se no movimento espírita, filiando-se à península na corrente ultrafania, do prof. Trespioli, que pretende haver superado a concepção espírita. Em seu livro As Noúres, Ubaldi nos oferece a concepção ultrafânica da mediunidade, na qual enquadra o seu caso pessoal. É uma pretensiosa concepção de mediunidade cósmica, fugindo à naturalidade e simplicidade das comunicações espirituais entre espíritos desencarnados e médiuns. As pretensões de Ubaldi transformaram-no, de simples médium, em autor messiânico, agora arvorado em reformador do Espiritismo.

Respondemos aos itens de sua crítica da seguinte maneira:

1) O Espiritismo é uma doutrina evolucionista, como provam as suas obras fundamentais e o seu imenso desenvolvimento em apenas cem anos de existência;

2) O sistema conceptual espírita é completo e sua síntese está em O Livro dos Espíritos;

3) A filosofia espírita não pode abranger o Todo e muito menos "todos os momentos da lei de Deus", porque isso não está ao alcance de nenhuma elaboração mental, no plano relativo da vida terrena;

4) A teologia espírita é limitada às possibilidades atuais do conhecimento de Deus, segundo ensina Allan Kardec, e essas possibilidades não admitem ainda a criação na Terra de uma teologia-científica, nem dentro nem fora do Espiritismo;

5) O "nível Allan Kardec não é o do Espiritismo, mas sim o nível Espírito da Verdade", de quem Kardec, segundo dizia, foi um "simples secretário"."

E Herculano Pires assim encerra seu artigo:

"Não sabemos ainda como o Congresso de Buenos Aires recebeu a proposta de Ubaldi. De nossa parte, não obstante o respeito que votamos ao médium e sua obra, altamente inspirada, não poderíamos dar-lhe outra resposta, além da que apresentamos nestas linhas. Se Ubaldi tivesse lido O Livro dos Espíritos, certamente jamais faria a proposta que fez, mesmo porque a sua obra, como a de Flammarion, a de Delanne, a de Denis, a de Bozzano e tantas outras, longe de completar o Espiritismo, apenas procura desenvolver alguns dos grandes temas que o Espiritismo levantou e sustenta no mundo moderno."

Informemos ainda que a comissão redatora dos anais do VI Congresso Espírita Pan-americano (congresso presidido pelo filósofo Humberto Mariotti) respondeu às críticas e pretensões de Pietro Ubaldi transcrevendo, integralmente, os cinco itens acima redigidos por Herculano Pires. Posteriormente, outros confrades refutaram a proposta de Ubaldi, inclusive Mariotti, de maneira brilhante.

Oito anos depois Hermas Culzoni, então presidente da Confederação Espírita Pan-americana, encontrou-se em São Paulo com Herculano Pires e convidou-o a participar do próximo congresso da CEPA.

"Não sei se irei à Argentina. – escreveu em 9 de novembro de 1971 ao amigo Deolindo Amorim. – Meu encontro com Culzoni deixo-me aborrecido. O homem quis impor-me condições. Tem um programa que deve ser cumprido à risca. As conclusões a que o congresso deve chegar já estão fixadas. Advertiu-me, sem muita tática, de que não devia tratar do problema religioso, que eu considero (e lhe disse isso) fundamental. Preferi não aprofundar o assunto, mas vi que a situação lá não me será favorável. Além disso, não posso fazer a viagem por minha conta. Eles custeiam tudo e isso me constrange ainda mais. Não, não irei. Estou escrevendo a eles agora mesmo sobre isso."

E Herculano Pires não foi. Aliás, nunca saiu do Brasil, pois tinha consciência de que sua missão era aqui.

"A Pedra e o Joio"

A Doutrina Espírita tem sofrido agressões dentro do próprio movimento doutrinário, de que são exemplos o roustainguismo, o ramatisismo, o "espiritismo divinista" de Oswaldo Polidoro, as campanhas contra o aspecto religioso do Espiritismo, a pretensa superação da obra de Alan Kardec e as ridículas mistificações psicográficas que proliferam em quantidade assombrosa de norte a sul do país.

A propósito escreveu Herculano Pires:

"Urge que os espíritas sensatos e responsáveis tomem posição contra essa avalanche de absurdos, tenham a coragem e a franqueza de falar a verdade em defesa do Espiritismo, doa a quem doer."

Essa atitude de defensor intransigente da integridade da Doutrina Espírita o apóstolo de Kardec – já o dissemos – assumiu durante os quarenta e poucos anos em que atuou no movimento doutrinário nacional, pois além da cultura enciclopédica, sobravam-lhe coragem, franqueza e amor pela nossa doutrina. E por compreender desde jovem que "a defesa da verdade está sempre acima dos melindres pessoais", assumiu a defesa da obra de Chico Xavier em 1962, quando o Movimento Universitário Espírita de São Paulo e o Grupo Espírita Emmanuel, da cidade de Garça – grupo liderado por Rolando Ramaciotti, o qual editaria mais tarde livros de Chico Xavier – denunciaram Divaldo Pereira Franco de plagiar mensagens e copiar frases (particularmente de Emmanuel) psicografadas por Chico Xavier e Waldo Vieira e atribuí-las a outros espíritos através de sua "própria" mediunidade. As instituições acima já haviam enviado aos centros espíritas mais de trinta mil folhetos que confrontavam esses textos, quando J. Herculano Pires, pela imprensa, entrou em ação. Chico Xavier, por determinação de Emmanuel, somente voltou a encontrar-se com o admirável orador baiano quinze anos após o escândalo.




Herculano Pires, Waldo Vieira e Chico Xavier

Mais grave, talvez, que o episódio acima foi a publicação do livro A Teoria Corpuscular do Espírito, de autoria de Hernani Guimarães Andrade, amigo de Herculano Pires e frequentador de seu lar. Engenheiro e culto, estreava na literatura, mas nessa obra já se apresentava como "renovador" da Doutrina Espírita... Eis algumas afirmações suas:

"O Espiritismo ressente-se de falta de teorias que lhe facultem avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório.

Allan Kardec declarou em suas obras que o Espiritismo abriria mão dos conceitos expostos a favor das conquistas da ciência oficial.

A Ciência Espírita precisa progredir até mesmo, se necessário, à custa de reforma nos seus postulados."

E mais:

"Os adeptos da doutrina devem ter a coragem de voltar atrás se preciso; reformar conceitos velhos; sacudir o pó da suposição para descobrir a realidade soterrada; abrir mão do dogmatismo comodista e ignorante, que se aferra à forma e esquece o espírito. (...)"

Afirmações ousadas do nosso confrade, que prometia outros volumes para complementar sua teoria... Herculano Pires respondeu ao amigo com uma série de artigos publicados em sua famosa coluna espírita dominical no "Diário de São Paulo" e depois enfeixou-os em um livro que recebeu o título de A Pedra e o Joio, em cujas páginas lê-se estes tópicos:

"Se a teoria corpuscular fosse apresentada como doutrina à parte, sem nenhuma ligação com o Espiritismo, pouco nos interessaria. Mas tratando-se de uma nova tentativa de reforma doutrinári, somos obrigados a encará-la com a devida firmeza."

E o mestre acrescenta:

"... a teoria corpuscular do espírito representa um retrocesso. Reduz o espírito à matéria e condiciona o seu aparecimento e o seu desenvolvimento às influências materiais. Além disso, a teoria se apresenta como um arranjo sincrético, uma mistura de concepções diversas, às vezes até contraditórias. Falta-lhe orientação lógica. Empirismo filosófico, elementarismo psicológico, atomismo grego, monadismo leibniziano, misticismo hinduísta, espiritismo kardeciano e relativismo científico moderno são misturados ao sabor das conveniências.."

E, referindo-se de um modo geral aos pretensos reformadores de Kardec, aos quais chamava de "novidadeiros", acentuou:

"A mania do cientificismo vem produzindo grandes estragos em nosso movimento espírita. Qualquer possuidor de diplomas de curso superior se julga capacitado a transformar-se em cientista do dia para a noite. E logo consegue uma turma de adeptos vaidosos, prontos a seguir o iluminado que lhes empresta um pouco do seu falso brilho. O desejo de elevar-se acima dos outros, conhecendo mais e sabendo mais, é praticamente incontrolável na maioria das pessoas. (...) Afrontam e amesquinham Kardec na vaidosa suposição de que o estão auxiliando, quando não o agridem abertamente, com o menosprezo à sua missão espiritual e a sua qualificação cultural. Não foram ainda capazes de encarar a missão de Kardec e a obra de Kardec sem pensar primeiro em si mesmos e nas suas supostas capacidades culturais ou supostas habilitações espirituais."

Em carta endereçada ao jornalista Agnelo Morato, em 08 de julho de 1971, escreveu Herculano Pires:

"A doutrina é o que de mais importante existe no mundo. Sua missão é divina – a do Consolador. As trevas lutam contra ela por todos os meios, servindo-se particularmente dos elementos que podem fascinar em nosso próprio movimento. Se não estivermos alertas e não soubermos discernir iremos de roldão. A massa espírita é ingênua, simplória, invigilante. Se nós que estamos nas primeiras linhas não soubermos guardar-nos e repelir as manobras das trevas, terminaremos responsáveis pelo fracasso da Doutrina. Seremos os novos Judas, inquietos e invigilantes como ele o foi."

Cerca de quinze anos depois, relembrando sua intervenção no caso da teoria corpuscular, Herculano Pires abordou em um artigo a questão da crítica no Espiritismo, do qual pinçamos, à guisa de ilustração, este trecho:

"Sem crítica não há correção de erros, não há renovação de conceitos nem abertura de perspectivas para a evolução. Pode o espírita desprezar e condenar a crítica? Se o pode, como julgar a legitimidade ou não das comunicações mediúnicas, como poderá passar as mensagens pelo crivo da razão, segundo a recomendação de Kardec, como enfrentará as mistificações que hoje, mais do que nunca, brotam e se propagam como tiririca no meio da seara? Como apreciará o que é bom e o que é mau, o que é certo e o que é errado? Quem renuncia a julgar (e, portanto, a criticar) está condenado a viver no erro e a ajudar a divulgação da mentira contra a verdade. (...) Quando critiquei uma teoria esdrúxula que apareceu em São Paulo, sob a responsabilidade de um companheiro culto, muitos espíritas se escandalizaram. Mas hoje muitos dos escandalizados me dão a mão à palmatória. A falsa teoria não conseguiu manter-se em pé. A crítica serviu para abrir os olhos a muitas pessoas de boa vontade, mas desprovidas de senso crítico, que estavam se deixando fascinar pela novidade."

"O Verbo e a Carne"

O roustainguismo, doutrina herética pregada pelo advogado francês J. B. Roustaing, defende, entre outras aberrações, a ideia monstruosa de que Jesus, quando vivera na Terra, era agênere, ou seja, não fora gerado. Não possuía corpo de carne e osso. Herculano Pires, por haver lido quando jovem a propaganda que a Federação Espírita Brasileira, paradoxalmente, fazia da obra Os Quatro Evangelhos, de J. B. Roustaing, teve o que podemos chamar de grave "acidente doutrinário". É ele quem nos conta:

"Nos idos de 1940 estávamos ainda na novidade e havíamos nos tornado espíritas há poucos anos e não tivéramos tempo de aprofundar o conhecimento da Doutrina. A FEB fazia então grande propaganda da obra de Roustaing, afirmando que se tratava da única interpretação total dos Evangelhos publicada em toda a Cristandade. Nessa época o Reverendo Othoniel Motta publicou o seu livro Temas Espirituais, em que relata suas experiências espíritas positivas, reconhecendo a veracidade dos fenômenos, mas combatendo a doutrina como diabólica. Analisamo-lo, no ardor da juventude, num folheto intitulado "És Mestre...", publicado na "Revista Internacional de Espiritismo", de Matão, e feito em separata pela Editora "O Clarim". Levado pelas informações da FEB, citamos de passagem Os Quatro Evangelhos. E um espírita da Bahia escreveu-nos a respeito, felicitando-nos pelo trabalho, mas lamentando a citação infeliz. Fomos consultar a obra famosa e ficamos envergonhado. Graças a Deus Othoniel não recorreu a ela. Caso semelhante aconteceu a Carlos Imbassahy, segundo ele nos relatou pessoalmente."

Explica-se, assim, por que Herculano Pires em artigos e livros tece comentários alertando os leitores contra o roustainguismo.

"O maior caso de mistificação – escreveu ele –, capaz de levar qualquer pessoa à fascinação, é a obra Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, que a Federação Espírita Brasileira tomou como fundamento da sua orientação doutrinária. (...) Nessa obra, Jesus é transformado num mistificador que fingiu nascer, mas não nasceu, fingiu mamar, mas não mamou, fingiu morrer na cruz, mas não morreu, fingiu ressuscitar, mas não ressuscitou, pois era um agênere, uma criatura não gerada, uma simples aparição tangível que combinou no espaço encontrar-se na Terra com Maria Madalena. (...)

Roustaing é o anti-Kardec, mente confusa, misticismo beato e, portanto, vulgar, crendice popularesca, falta absoluta de critério científico, desprezo pelos dados históricos, mitologia arcaica, raciocínio confessadamente avariado, aceitação pacífica de teses clericais obscurantistas, posições anedóticas na explicação dos fatos evangélicos (a falsa gravidez de Maria, Jesus-menino fingindo que sugava o seio da mãe e devolvendo-lhe magicamente o leite aos vasos sanguíneos em forma de sangue, espíritos superiores reencarnando em mundos interiores como criptógamos carnudos, em forma de lesmas em carne humana e assim por diante). Um montão de ridicularias que se repetem nos cansativos volumes da obra num ritornelo desesperante. E homens de cultura regular (não pode ser superior) a vangloriar-se dessas tolices a ponto de considerarem a FEB – pasmem as criaturas de mediano bom-senso – como a Casa-Máter do Espiritismo. Ignoram certamente a existência histórica da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e todo o trabalho exaustivo de Kardec. Várias federações estaduais atrelaram-se ao carro funerário dessa mistificação. (...)

Bastam esses fatos para nos mostrar que o Espiritismo é o grande desconhecido dos próprios espíritas." – concluiu o mestre constrangido, mas com razão.

E em 1972, tendo ido com Jorge Rizzini visitar o inesquecível Júlio Abreu Filho internado em uma clínica, prometeu-lhe reeditar e prefaciar seu livro sobre o roustainguismo. E, ao examiná-lo, percebeu a necessidade de acrescentar uma segunda parte. A obra em parceria com Júlio ganhou o título O Verbo e a Carne e o subtítulo "Duas Análises do Roustainguismo". Veio a lume em 1973 pelas Edições Cairbar, mas Júlio Abreu Filho não chegou a vê-la. Desencarnara semanas após a visita de Herculano Pires acompanhado do autor destas linhas.


 
Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz Editora | Nuno Emanuel | In: http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores Espiritas Classicos Diversos/HerculanoPires/Apostolo do Espiritismo/19/Mais lutas doutrinarias.htm
26/11/2012
 


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