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Notícia

Marcas luminosas - Richard Simonetti




Richard Simonetti


Não sabes, criança? Estou louco de amores…

Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.

Este o início de um dos poemas românticos mais famosos da língua portuguesa. Bem-humorado, alegre, envolvente, o poeta declara-se irremediavelmente preso por um laço de fita a encantadora jovem. O poema segue no mesmo tom, fechando cada verso com o laço de fita. E termina, em alegre exaltação:
 
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova…, formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por coroa…
Teu laço de fita.


Esse belíssimo poema seria suficiente para instalar o autor, Antônio de Castro Alves (1847-1871), dentre os grandes poetas brasileiros. Mas ele fez muito mais que isso. Em plena efervescência do movimento pela abolição da escravidão no Brasil, em 1868, declamava o poema Navio negreiro. Seria, desde logo, o mais contundente libelo contra o odioso regime, que já atravessara três centenas de anos, resistindo aos movimentos renovadores no século das luzes, em que pontificava a Doutrina Espírita, codificada em 1857, onze anos antes, com a publicação de O Livro dos Espíritos.

Avançando muito além da timidez das religiões tradicionais, que sustentavam uma coexistência pacífica com a escravidão, Allan Kardec enfatiza, em comentário à questão 829: "É contrária à natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente".

***

Imagino Castro Alves declamando Navio negreiro para seletas plateias. Primeiro as amenidades, falando da luz, dourada borboleta; das ondas¸ infantes inquietos; do veleiro que desliza no mar, como roçam na vaga as andorinhas. E deleita-se:

Oh! Que doce harmonia traz-me a brisa, que música suave ao longe soa! Meu Deus!
Como é sublime um canto ardente, pelas vagas sem fim boiando à toa!

Aos poucos muda o tom, destacando o principal – a condição dos infelizes passageiros, em viagem compulsória para o Brasil. Diga-se de passagem: aportavam em nosso país quando conseguiam sobreviver aos tormentos da viagem, no porão, negro, fundo, infecto, apertado, imundo, tendo a peste por jaguar… e o sono sempre cortado pelo arranco de um finado e o baque de um corpo ao mar…

Desdobra-se a tragédia daqueles seres humanos vilmente aprisionados no continente negro – … ontem plena liberdade, a vontade por poder… Hoje, cúmulo de maldade, nem são livres para morrer!

Impossível evitar a emoção nos versos finais, desde o momento em que, após perguntar se existe um povo que sua bandeira empresta para cobrir tanta infâmia e cobardia, descobre que o navio leva a bandeira brasileira. Chora o poeta:


Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança ,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…

E conclui, enfático:

 
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!…
…Mas é infâmia demais… Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo…
Andrada! Arranca esse pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta de teus mares!


Navio negreiro foi uma das mais importantes contribuições em favor do movimento abolicionista, sensibilizando a opinião pública em relação àquela ignomínia.

***

Atente, leitor amigo, à notável particularidade: quando escreveu Navio negreiro, Castro Alves mal chegara à maioridade.  Vinte e um anos! Impressiona em sua poesia a variedade das citações, a erudição, a musicalidade dos versos, a dramaticidade das situações, exercitando aquela capacidade extraordinária de tocar nossa sensibilidade. Como todos aqueles que pontificam em determinado setor de atividade, Castro Alves nasceu pronto! Trazia consigo imensa bagagem cultural que aflorou desde seus arroubos juvenis. Para Espíritos de seu porte, aprender é somente recordar, como argumentava Sócrates. Pudéssemos devassar o passado e haveríamos de identificar o grande vate baiano a pontificar na pele de ilustres poetas do pretérito.

***

O movimento abolicionista culminou com a Lei Áurea, promulgada pela princesa Isabel (1846-1921), em 13 de maio de 1888, acabando com a escravidão. O poeta já não estava entre nós. Em 1871, aos vinte e quatro anos, enfraquecido por insidiosa tuberculose, sofreu um acidente com arma de fogo. Atingido, um de seus pés acabou amputado. Piorou o quadro clínico. Pouco depois, faleceu. Não precisou de muito tempo para desempenhar sua missão. Os gênios são assim mesmo. Às vezes, passam breve, mas deixam marcas luminosas, inesquecíveis! Fez-se ele mesmo protótipo de sua expressão, em O livro e a América:


…Que, se a luz rola na Terra,
Deus colhe gênios no Céu!…




Castro Alves. In: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7a/CastroAlves.jpg




"Navio negreiro" de Rugendas. In: http://eo.wikipedia.org/wiki/Dosiero:Navio_negreiro_-_Rugendas.jpg



A Lei Áurea e a extinção da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888. In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_%C3%81urea


 
Busto da Princesa Isabel no Senado Federal, Brasília, DF. Foto: Ismael Gobbo



Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz Editora | Ismael Gobbo | SP
17/05/2013
 


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